Angolanos cada vez mais aflitos para abrir contas bancárias em Portugal

Regras do Banco de Portugal dificultam emigrantes. Lei é de 2017, mas só agora os bancos estão a ‘apertar’. Há angolanos que usam ‘esquemas’ para conseguir movimentar contas e não estarem dependentes de amigos ou colegas de trabalho.

Celestino
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Muitos estrangeiros em Portugal, incluindo angolanos, têm enfrentado dificuldades para conseguirem abrir contas bancárias, quando não possuem cartão de residente ou contrato de trabalho. As imposições portuguesas afectam, em grande medida, angolanos que procuram Portugal para trabalhar e viver.

“Ter uma conta bancária não é um luxo. É uma necessidade”, dispara Edson Mande, jovem angolano que viu as suas intenções, de abrir uma conta em Portugal, barradas, alguns dias depois de ter chegado ao país europeu para fazer uma formação intensiva. “Fui a duas agências de bancos diferentes e fui barrado, porque não tenho um contrato de trabalho”, conta. Como estudante, tentou abrir uma conta no banco Santander e no Banco Comercial Português, o Millennium BCP. Apesar de apresentar o passaporte, o número fiscal e o comprovativo de morada, não conseguiu. “Não contava. A solução é arranjar um trabalho para conseguir abrir uma conta bancária.”

Enquanto o trabalho não chega, Edson Mande tem “se virado” para pagar contas com uma conta antiga criada há alguns anos numa empresa digital de pagamentos denominada, ‘Wise’, com sede na Bélgica.

Também ao jovem Mauricio Nkandu, que chegou a Portugal com visto de procura de trabalho há dois meses, lhe foi negada a possibilidade de abrir uma conta bancária sem o cartão de residente. “Fui a uma agência do Novo Banco e disseram-me que só podia abrir uma conta bancária com o cartão de residente. Tenho entrevista na Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) para Março. Vou aguardar. É melhor. Já sei que não estão a abrir sem o cartão de residência.”

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O jovem decidiu deixar Angola por se encontrar desempregado há dois anos. Agora, assume que a sua principal “luta”, como emigrante, é ter uma conta bancária para receber salários. “Comecei a trabalhar há um mês. Já falei com o meu chefe e deu a opção de fazer o pagamento de salários na conta de um amigo até conseguir a minha residência. É a única forma”, explica. No dia-a-dia, para realizar pagamentos, recorre à ajuda de amigos que depois recebem o dinheiro em notas e transferem para as respectivas contas.

Já Ana Luzia, a viver há mais de seis meses em Portugal, também não consegue abrir uma conta bancária por falta do cartão de residente. “Tenho todos os documentos. Tenho o meu passa- porte, comprovativo de morada, número fiscal (NIF), Segurança Social e não consigo abrir uma. conta por falta de um cartão de residente”, confirma.

A jovem bateu às portas das agências dos bancos CTT e BPΡΙ. Todos fizeram a mesma exigência do cartão de residente. “Disseram-me que as regras do Banco de Portugal tinham mudado e que agora para um estrangeiro abrir uma conta tinha de ser residente.”

A jovem enfrentou outra dificuldade: ter uma entrevista no extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), hoje AIMA. Demorou vários meses para ter sucesso na marcação porque esbarrava nas linhas telefónicas “sempre congestionadas”. A única forma de fazer uma marcação é por telefone e apenas através de dois contactos. “Foi uma opção ser emigrante. Enquanto aguardo o cartão vou vivendo.”

Ana Luzia até chegou a arranjar um emprego a tempo parcial, mas desistiu, porque a empresa só fazia pagamentos por transferência. “É um preço que se paga. Para quem já era demasiado independente com paga- mentos e movimentos bancários em Angola, é um pouco difícil.”

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Seguindo as normas dita- das pelo Banco de Portugal, em quase todos os bancos portugueses, cumpre-se a exigência de que um emigrante só pode abrir conta se tiver cartão de residente. As regras mudaram em 2017, mas só foi regulada em 2022. Nos últimos tempos, as instituições bancárias têm aplicado a regra pressionadas pelo banco central. Nas redes sociais, vai crescendo o número de relatos de emigrantes que não conseguem abrir contas sem cartão de residente ou contrato de trabalho. Nas páginas criadas por estrangeiros para entreajuda em Portugal, é possível ler-se relatos de brasileiros, venezuelanos, angolanos, guineenses, indianos, entre outros estrangeiros de várias nacionalidades. Há até quem se disponibilize a “eliminar este problema” e a facilitar que estrangeiros sem contrato de trabalho ou cartão de residente possam abrir conta, mas mediante o pagamento de um valor simbólico.

Em causa, está uma lei criada para combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, a Lei n.º 83/2017, regulamentada pelo Aviso n.º 1/2022 do Banco de Portugal (BdP), que criou novas exigências de identificação dos titulares de contas, não apenas na abertura de novas contas, mas também em todas já existentes.

Contas portuguesas também bloqueadas

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Vários bancos portugueses estão a bloquear contas bancárias de particulares por falta de actualização de dados pessoais, desde o início de Janeiro, conta o jornal Público. A medida tem afectado principalmente idosos e imigrantes. O jornal avança que, nos primeiros sete meses de 2023, o Banco de Portugal recebeu 271 pedidos de informação e reclamações, mas não existem dados concretos sobre o número de contas que foram bloqueadas.

A razão apontada é a lei criada para combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo que veio criar novas exigências de identificação dos titulares de contas, não apenas na abertura de novas, mas também em todas as já existentes.

Associação de bancos evoca lei sobrebranqueamento de capitais

A Associação Portuguesa de Bancos (APB) numa breve nota em resposta ao Valor Económico explica que nos termos da lei em matéria de branqueamento de capitais e combate ao financiamento do terrorismo, os bancos têm o “dever de recusar” iniciar relações de negócio, realizar transações ocasionais ou efetuar outras operações, quando não obtêm os elementos “identificativos e os respetivos meios comprovativos previstos para a identificação e verificação da identidade do cliente”.

A associação acrescenta que este dever se aplica quando aos bancos não é “possível obter informação sobre a finalidade e a natureza pretendida da relação de negócio, bem como sobre a origem e o des- tino dos fundos movimentados ou pretendidos movimentar no âmbito de uma relação de negócio ou na realização de uma transação ocasional, sempre que o perfil de risco do cliente ou as caracte- rísticas da operação o justifiquem”.

 Valor Económico

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