Falta de documentos dos progenitores leva ao registo tardio das crianças

Várias crianças estão sendo impedidas de proceder com os estudos, mas a falta de registo civil os impede.

No último ano lectivo, o adolescente frequentou a 8.ª classe, num colégio localizado no bairro Calemba 2, município do Kilamba Kiaxi, onde vive com a tia. “Quero formar-me em Comunicação Social para, no futuro, ser um apresentador de televisão que nem o Márcio do Canal Zap-Viva”, disse o adolescente sonhador.

Durante a conversa, Hamilton parou por alguns instantes, suspirou, e disse, em voz baixa e rouca: “perdi dois anos de estudo por falta do Bilhete de Identidade”, lamentou o rapaz, enquanto a mãe, Cristina Abraão, ao lado, visivelmente tomada por um sentimento de vergonha e raiva, baixou o rosto sem dizer nada e o silêncio tomou conta do momento.

“Fiquei à espera do pai”

Cristina disse que não registou o filho até agora porque estava à espera do pai. Os anos foram passando, o menino cresceu, e devido aos estudos, a preocupação tornou-se maior.

Ao notar o bom desempenho do filho na escola, a mãe decidiu informar-se sobre o assunto, até que, finalmente, optou por registá-lo apenas com os seus documentos. Mas a situação começou a complicar-se quando foi informada de que para tratar o documento do filho pelo menos a mãe tinha de ter o Bilhete de Identidade (BI), que ela também não tinha.

Hamilton conta que quase entrou em depressão ao ver o seu futuro ameaçado. Decidida, Cristina correu atrás e conseguiu tratar o Bilhete de Identidade para poder registar o filho e sonhar com um futuro melhor.

Luta pela dignidade

Eram 10 horas da manhã, a 6.ª Conservatória do Registo Civil da Comarca de Luanda, no município do Cazenga, estava visivelmente vazia, embora os assentos todos estivessem ocupados.

No meio, estava um menino bem apresentado, usava uma camisa azul, calças da mesma cor e ténis de cor preta. O cabelo estava todo arrumado e a ansiedade misturada com nervosismo invadia o seu rosto e o da mulher de pele clara que sentava à sua direita.

Quando a repórter se aproximou, a mulher trancou o rosto, enquanto o menino respondeu cordialmente pela saudação. A seguir à apresentação, ela identificou-se por Cristina Abraão, mãe do rapaz.

Alguns minutos depois, Cristina sentiu-se confortável para contar a sua história. Visivelmente agastada, lembrou que desde Março que tenta registar o filho de 14 anos, mas sem sucesso.

Depois de já ter passado por três conservatórias do Registo Civil, em Luanda, Cristina dirigiu-se à 6.ª Conservatória do Cazenga. “Já estivemos na Conservatória da Cidadela, Rangel e na Filda e agora viemos aqui. A informação que recebemos é que eles não estão a tratar o registo para crianças de 14 anos”, contou agastada.

“O meu filho é muito inteligente, está sempre no quadro de honra da escola. Esta questão da documentação está a acabar comigo e a esperança dele nos estudos”, desabafou.

Cristina é mãe de cinco filhos de seis, 10, 12 e 14 anos, porém nenhum deles está registado.

“Por enquanto, estou a lutar para tratar o registo do Hamilton, por ser o mais velho e porque daqui a pouco vai para o ensino médio”, justificou, acrescentando que em relação aos mais novos a situação se repete, pois o pai diz que vai arranjar tempo para os registar, mas, até agora nada, não passa de conversa fiada.

Meses para registar a sobrinha

Na mesma situação de Cristina estava Beatriz de Jesus, que há vários meses tenta registar a sobrinha, que estava a frequentar a 9.ª classe, mas sem sucesso. “Precisamos que o Governo nos ajude, porque há meses que venho para cá e a informação que recebo é que não estão a tratar registo para adultos, o que complica ainda mais, a situação”, lamentou.

Ausência do pai

Teresa Michael, de 13 anos, disse que durante os últimos dias de aulas a situação tornou-se mais difícil por falta de registo civil. A frequentar a 6.ª classe, a adolescente contou que os colegas têm dado um grande apoio emocional.

“As minhas colegas dizem para eu não ficar triste, porque Deus vai ajudar e vou conseguir tratar o Bilhete”, disse, realçando que teme que os documentos não sejam tratados a tempo de a possibilitar a frequência da classe seguinte.

Apesar de receber o apoio dos colegas, Teresa afirma sentir-se ainda triste, porque não gostaria de interromper os estudos.

Dilwapanga Michael, mãe da menor, justificou que ainda não tratou o documento da filha por causa da ausência do pai. “O pai mudou-se para outra província desde quando a Teresa era bebé e, por isso, não consegue fazer o registo da criança até ao momento”, disse. 

A mãe de Teresa conta que foi, recentemente, que o pai decidiu enviar uma cópia do Bilhete de Identidade para atender ao pedido da filha. “Depois de muito insistir, ele enviou a cópia do Bilhete e, finalmente, vou poder tratar os documentos da minha filha”, referiu.

Sem perder mais tempo, Dilwapanga Michael e a filha Teresa Michael dirigiram-se à 2.ª Conservatória do Registo Civil de Luanda, na Vila Alice, para tratar os documentos.

Maior afluência durante o início do ano lectivo

O responsável da 6.ª Conservatória de Registo Civil de Luanda, João Vieira, disse que os postos registam uma grande afluência de utentes para o registo civil durante o início do ano lectivo.

“Nesta altura, as conservatórias estão praticamente vazias, a população não adere, mas, quando se estiver a aproximar a época de inscrição, todos vêm em massa, o que é reprovável”, lamentou.

Actualmente, acrescentou, entre 20 e 30 cidadãos acorrem diariamente à 6.ª Conservatória para a emissão de Registo de Nascimento. “Há dias que a Conservatória fica completamente vazia”, ressaltou, avançando que o local tende a registar maior adesão entre os meses de Julho, Agosto e Setembro.

Sobre a realidade do Registo Civil no município do Cazenga, o conservador disse ser flexível, pelo facto de existirem quatro conservatórias na zona. O município, disse, tem quatro conservatórias que conseguem atender a procura.

Documentos necessários

De acordo com o conservador, para a emissão do registo de nascimento para menores de 13 anos, é necessário a presença dos pais, cada um acompanhado de uma cópia do respectivo Bilhete de Identidade. “Basta os progenitores declararem a data e local de nascimento da criança para tratar o documento, que é entregue no mesmo dia”, disse.

João Vieira destacou que a emissão do registo de nascimento é gratuita. “A emissão do boletim de nascimento é isenta de emolumentos e igualmente o assento”, informou.

O conservador realçou que desde finais do ano passado que a emissão do registo civil para maiores de idade foi cancelada. “Só estamos a registar crianças até aos 13 anos, acima disso devem escrever uma carta dirigida ao director nacional dos Registos, para a devida autorização”, disse.

Utentes são orientados como proceder

Na 7.ª Conservatória de Registo Civil de Luanda, no distrito urbano da Samba, a realidade não é diferente. O conservador Belchior Tchitembo explicou que devido a algumas irregularidades na aquisição de nacionalidade por estrangeiros, houve a orientação no sentido de alterar o processo de registo tardio.

Belchior Tchitembo esclareceu que esse tipo de processo deve ser autorizado e validado pelo director nacional de Registos e Notariado. A tramitação começa nas conservatórias, passa pelas delegações provinciais e depois ao director nacional, que tem a última palavra para que o registo seja efectivado.

“Pelo número de pedidos, os processos sobem e não regressam na mesma proporção, porque existe muita procura dos serviços”, reconheceu.

Risco de duplicação de identidade

De acordo com a conservadora adjunta da 2.ª Conservatória do Registo Civil de Luanda, Cláudia Tembo, menores dos 0 aos 5 anos de idade têm prioridade na emissão do registo de nascimento. “Nestes casos, basta que os pais tragam os seus documentos e o cartão de calendário de vacina infantil”, esclareceu.

Dos seis anos em diante, disse, é feito um inquérito aos pais e à criança para se certificar de que ela não tem qualquer documento de identificação. “Essa medida é tomada por causa dos recorrentes casos de duplicação de identidade. Há pais que tratam documentos duas vezes, por muitas situações”, explicou.

Para os maiores de idade, esclareceu, o processo é remetido à Direcção Nacional para a devida autorização. “Há todo um critério para a emissão de registo para maiores de idade. Os necessitados recebem a devida orientação de como proceder”, explicou.

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