O retorno de Donald Trump à Casa Branca em 2024, caso se confirme, pode ter repercussões significativas não apenas nos Estados Unidos, mas também em várias regiões do mundo, incluindo África, onde a sua política externa tende a ser menos voltada para a diplomacia multilateral e mais pragmática, focada nos interesses nacionais americanos. Para Angola, esse cenário pode trazer tanto desafios quanto oportunidades, dependendo de como o governo de João Lourenço conseguirá navegar as dinâmicas das relações internacionais.
O Sentimento de Desmoralização entre os Líderes Ocidentais
A ideia de um possível retorno de Donald Trump à presidência dos EUA tem gerado um certo grau de desmoralização entre muitos líderes ocidentais. Isso se deve principalmente à sua abordagem unilateral e protecionista, que contrasta com a tendência de colaboração multilateral que caracterizou os governos de Barack Obama e Joe Biden. A retirada de Trump de acordos internacionais como o Acordo Climático de Paris, a saída da Organização Mundial de Saúde (OMS) durante a pandemia de COVID-19 e a política de “America First” tornaram-no uma figura polarizadora na política internacional.
Para muitos países da União Europeia, Canadá e outras democracias ocidentais, a perspectiva de um retorno de Trump é vista com apreensão. As expectativas para uma maior cooperação em questões globais — como mudança climática, segurança internacional, direitos humanos e até mesmo a pandemia — são frustradas pela postura isolacionista e muitas vezes confrontacional de Trump. Isso cria uma sensação de incerteza e desconfiança em relação ao futuro das alianças transatlânticas.
O Impacto de Trump em África
Em relação a África, a política externa de Trump, marcada pela ênfase no pragmatismo econômico e na busca de alianças com países que possam garantir os interesses estratégicos dos EUA, tende a ser mais focada em questões de segurança, comércio e recursos naturais do que em direitos humanos ou apoio à democracia. Embora Trump tenha mantido laços econômicos com várias nações africanas, sua postura em relação a temas como governança e democracia foi muitas vezes secundária, principalmente quando os interesses americanos estavam em jogo.
No contexto africano, o impacto de Trump pode ser ainda mais complexo devido à crescente influência da China e da Rússia no continente. Durante o primeiro mandato de Trump, os EUA perderam terreno para esses competidores, especialmente na área de investimentos e infraestrutura, com ambos os países oferecendo financiamentos mais flexíveis e termos mais vantajosos em comparação com os modelos tradicionais de assistência ocidental. A China, por exemplo, tem sido um investidor significativo em países africanos, incluindo Angola, com a construção de infraestrutura e parcerias comerciais.
No caso específico de Angola, a preocupação é que um retorno de Trump ao poder possa reforçar o pragmatismo econômico dos EUA, mas ao mesmo tempo, enfraquecer a importância de Angola como parceiro estratégico para os EUA. Trump poderia priorizar outras questões de interesse imediato, como os acordos comerciais com a China ou a contenção da influência russa, em detrimento de uma relação mais robusta com países africanos, incluindo Angola.
A Relação EUA-Angola sob Trump
Angola tem se esforçado para diversificar sua economia, historicamente centrada no petróleo, e melhorar sua governança interna. No entanto, as relações com os EUA sempre foram muito dependentes do setor energético. A administração Trump poderia ver Angola como uma parceira estratégica no fornecimento de petróleo e gás, além de uma possibilidade de investimento em setores como infraestrutura e agricultura, onde o capital americano poderia ser aplicado. Contudo, a abordagem “America First” de Trump, focada em interesses diretos e acordos bilaterais, pode significar que o governo angolano tenha de disputar mais ativamente a atenção dos EUA com outros países africanos e seus próprios aliados comerciais, como a China.
Além disso, a postura de Trump de minimizar ou até ignorar questões de direitos humanos e governança poderia ser vista como um fator que poderia garantir à Angola uma relação “pragmática” sem pressão externa significativa para implementar reformas democráticas ou combater a corrupção de forma mais agressiva. Isso é algo que poderia ser benéfico para o governo de João Lourenço, já que não haveria uma pressão forte da parte dos EUA em áreas sensíveis como a liberdade de imprensa ou a transparência nas eleições.
No entanto, as relações poderiam ser prejudicadas se, por qualquer razão, os interesses estratégicos dos EUA fossem contrários aos de Angola, ou se os EUA passassem a focar ainda mais na competitividade com a China e a Rússia, limitando assim o espaço para parcerias vantajosas para Angola.
A Preocupação no Sentido de Voto em Angola
Até o amanhecer da quarta-feira, 6 de novembro, em Angola, as notícias sobre a corrida presidencial nos EUA indicavam um cenário eleitoral onde o apoio a Trump parecia estar em ascensão, refletindo um padrão de voto que se alinhava com a crescente polarização política interna dos EUA. Isso se reflete não apenas nos estados-chave do Colégio Eleitoral, mas também nas tendências de votação da população em geral, que pode ser vista como dividida, como é típico em uma eleição tão polarizada.
No contexto angolano, isso pode ser interpretado de várias maneiras. O alinhamento da política interna dos EUA com um possível retorno de Trump ao poder pode gerar um sentimento de incerteza entre os líderes angolanos e na sociedade civil. Se o governo angolano antecipar que a política externa dos EUA sob Trump será mais centrada em interesses econômicos diretos, pode ser necessário recalcular suas estratégias de alinhamento, não só com os EUA, mas também com outros blocos internacionais. Além disso, a crescente polarização nos EUA pode gerar desconfiança entre os líderes africanos em relação à estabilidade da política externa americana.
O Futuro das Relações EUA-Angola com um Segundo Mandato de Trump
Caso Trump seja reeleito, Angola provavelmente continuará a ser tratada de forma pragmática, com um foco em comércio e investimentos, especialmente no setor energético. As discussões sobre temas como direitos humanos e governança podem ser minimizadas em favor de acordos econômicos diretos. Entretanto, a relação será marcada pela busca de maior competitividade econômica, particularmente com a China, que tem ganhado peso no continente africano, inclusive em Angola.
Por outro lado, a administração Trump pode intensificar a ênfase em questões de segurança, especialmente em relação ao combate ao terrorismo e à presença de grupos extremistas na África Subsaariana. Angola poderia ser vista como um parceiro estratégico em questões de segurança, o que, ao mesmo tempo, poderia aumentar o foco militar e de inteligência nas suas relações com os EUA.
Em resumo, o retorno de Trump à Casa Branca pode trazer uma era de pragmatismo e transações bilaterais, com foco em interesses econômicos diretos. Para Angola, isso significa que, enquanto algumas oportunidades podem surgir, o país também pode enfrentar um ambiente mais competitivo e imprevisível nas suas relações com os EUA. A dinâmica de poder entre os EUA, China e Rússia em África será um fator crucial nas decisões de política externa angolana nos próximos anos.